Taxonomia e listas

A taxonomia é a ciência relacionada com a identificação dos nomes das espécies de seres vivos utilizando regras de nomenclatura científica e a classificação ou organização dessas espécies em categorias (taxa). O desenvolvimento da taxonomia ao longo do tempo sofre a influência de tendências de certa forma opostas que se prendem, por um lado, com a necessidade de acompanhar o progresso científico e por outro com a a necessidade de garantir uma certa estabilidade dos nomes a fim de evitar variações excessivas que em pouco contribuiriam para facilitar a correcta identificação das espécies nos diversos textos. Os sistemas taxonómicos baseiam-se tradicionalmente na ordenação dos grupos taxonómicos a partir dos mais ancestrais do ponto de vista evolutivo. Neste ponto, ao definir o modo como os taxa se relacionam evolutivamente, a sistemática acrescenta uma dimensão temporal à taxonomia.

Novos dados de investigação científica (por exemplo genéticos, comportamentais ou fenotípicos) permitem voltar a interpretar a proximidade e relações entre espécies ou populações de uma mesma espécie, o que por vezes põe em questão a validade de certos taxa e até a sua sequência nos sistemas taxonómicos existentes. Daí resulta frequentemente a proposta de modificações taxonómicas, por exemplo divisões, fusões, reagrupamentos, reordenação de parentescos, ou estabelecimento de ancestralidade entre grupos. Devido às regras de nomenclatura zoológica, tais modificações implicam em muitos casos alterações na nomenclatura desses taxa.

No campo da ornitologia a comunidade científica reconhece diversos sistemas que se traduzem em listas taxonómicas de âmbito mundial ou regional (por continente ou por região biogeográfica). Estas listas são revistas com alguma regularidade com vista a avaliar as modificações taxonómicas que vão sendo propostas. Algumas dessas propostas reúnem um consenso alargado e acabam por ser aceites conduzindo à alteração das listas. Outras, porém, não são adoptadas por falta de robustez ou por não reunirem suficiente aceitação universal. Em muitos casos, investigações complementares posteriores contribuem para apoiar a adopção de certas modificações ou conduzir à sua rejeição. 

Algumas listas não são alteradas com frequência e por isso não reflectem os resultados de pesquisas recentes senão após vários anos quando surge uma nova edição. Por vezes são publicadas alterações parciais intercalares antes de uma revisão total ao fim de cerca de uma década. Outras listas são mais dinâmicas e adoptam rapidamente muitas das alterações taxonómicas propostas pelos investigadores, publicando actualizações anuais, ou mesmo mais frequentes.

A adopção de uma qualquer lista taxonómica pode ter em vista diversas finalidades, entre as quais se destacam as seguintes:
  • Listas de nomes comuns em cada língua
  • Guias de campo
  • Literatura destinada a um público informado em meios não estritamente científicos
  • Documentação relevante para autoridades competentes, organizações e intervenientes em actividades de conservação e gestão ambiental
  • Estudo de dados populacionais e medidas de conservação ou gestão

      Listas globais

      Entre os percursores das modernas listas taxonómicas mundiais de aves destacam-se durante o período darwinista as diversas tentativas de classificar as aves publicadas por Huxley, Gray, Sundevall, Garrod, Forbes, Sclater, Reichenow, Newton, Coues, Steineger, Fürbringer e Seebohm.

      A estes seguiram-se os trabalhos de Sharpe e mais tarde Peters: 
      • Sharpe, R.B. 1874-1898. Catalogue of the Birds in the British Museum. 27 volumes.
      • Sharpe, R.B. 1899-1909. A hand-list of the genera and species of birds. 5 volumes.
      • Peters, J.L. 1931-1952. Check-List of Birds of the World. 16 volumes (incluindo actualizações até 1987).
      Nos anos de 1970 voltaram a surgir várias listas mundiais:
      • Edwards, E.P. 1974. A coded list of birds of the world. Sweet Briar, Va. (published by the author).
      • Clements, J.F. 1974. Birds of the world: a check-list. New York: Two Continents Publ.
      • Cunningham, M.A. and Griffith, J.G. 1974. An annotated list of birds of the world. Monrovia, Calif. (published by the authors).
      • Morony, J.J., Bock, W.J. and Farrand, J. 1975. Reference list of the birds of the world. Dept. Ornithol., Am. Mus. Nat. Hist., New York.
      • Wolters, H.E. 1975-1982. Die Vogelarten der Erde: Eine systematische Liste mit Verbreitungsangaben sowie deutschen und englischen Namen. 7 Bände. Hamburg Berlin: Parey.
      • Gruson, E.S. 1976. Check-list of the birds of the world. London: Collins.
      • Howard, R. and Moore, A.1980. The Howard and Moore Complete Checklist of the Birds of the World.
      Mais recentemente outros autores avançaram com projectos à escala mundial, cada vez mais baseados nos resultados da análise filogenética. Sibley, Ahlquist, and Monroe utilizaram técnicas de hibridização do ADN na tentativa de classificar as aves. Esta primeira vaga de taxonomia baseada no ADN culminou nas publicações de Sibley, Ahlquist, and Monroe (1988), Sibley and Ahlquist (1990) e Sibley and Monroe (1990 e 1993).
      • Sibley, C.G. and Monroe Jr., B.L. 1990. Distribution and Taxonomy of Birds of the World. Yale University Press, New Haven.
      • Sibley, C.G. and Monroe Jr., B.L. 1993. A Supplement to Distribution and Taxonomy of Birds of the World. Yale University Press, New Haven.
      A taxonomia da BirdLife International resulta da compilação de uma variedade de fontes autoritárias e é actualizada todos os anos. A primeira versão 0.0 data de 2007. Originalmente, a principal fonte de base utilizada para reconhecimento das espécies foi Sibley and Monroe (1990, 1993), mas em muitos casos recorreu a diversas outras fontes. Os nomes e a sequência das ordens e das famílias seguem Dickinson (2003). A sequência dos géneros também segue Dickinson (2003), combinada com géneros não reconhecidos por este autor, que são inseridos em local apropriado na sequência. Contudo, no caso dos albatrozes e petréis a fonte principal é Brooke (2004). A BirdLife afirma não aspirar a ser uma autoridade no estatuto taxonómico das aves do mundo e que apenas procura estabelecer um padrão taxonómico consistente a nível global que seja de relevância para estabelecer prioridades de conservação. A BirdLife é ainda a autoridade para as aves do livro vermelho da IUCN.
      O Handbook of the Birds of the World (HBW), editado por del Hoyo desde 1992, é amplamente utilizado como referência taxonómica ao nível das espécies.

      • Del Hoyo, J. et al. 1992-2012. Handbook of the Birds of the World. 16 volumes. Lynx Edicions, Barcelona.
      Contudo, a taxonomia abordada nos volumes mais antigos foi ficando um pouco desactualizada. Para ultrapassar essa limitação, os editores de HBW e a BirdLife International publicaram (2014, 2016) os dois volumes de actualização Illustrated Checklist of the Birds of the World, que viria a ser adoptada como referência pela Convenção sobre a Conservação das Espécies Migradoras (CMS) e pela União Europeia no contexto da protecção das aves. A versão online Handbook of the Birds of the World (HBW) Alive permite manter os conteúdos da série permanentemente actualizados.

      Dickinson (2003) e (2013, 2014) representa um bom compromisso entre a taxonomia baseada na investigação genética e aquela baseada nos métodos mais tradicionais.
      • Dickinson, E.C. (ed.) 2003. The Howard and Moore Complete Checklist of the Birds of the World. Revised and enlarged 3rd Edition. London (Christopher Helm), together with Corrigenda 8 to Howard and Moore Edition 3 (2008).
      • Dickinson, E.C. & Remsen, J.V. Jr (eds.) 2013. The Howard and Moore Complete Checklist of the Birds of the World. 4th Edition, vol 1: Non-passerines. London (Aves Press).
      • Dickinson, E.C. & Remsen, J.V. Jr (eds.) 2014. The Howard and Moore Complete Checklist of the Birds of the World. 4th Edition, vol 2: Passerines. London (Aves Press).
      Desde a terceira edição impressa em 2003, várias actualizações foram publicadas na internet, a mais recente das quais é a oitava, produzida em 2008. A quarta edição consiste em dois volumes, o primeiro dos quais foi publicado em 2013. O autor Edward Clive Dickinson trabalhou em empresas no sueste asiático onde também se dedicou à observação de aves, o que lhe permitiu publicar mais de 75 artigos científicos e vários livros, assim como tornar-se em 2012 investigador associado do Museu Nacional de História Natural, em Leiden, Países Baixos. 

      O sítio IOC World Bird List dá voz à International Ornithologists' Union (IOU), anteriormente designada por International Ornithological Congress (IOC). Este sítio suplementa o livro "Birds of the World. Recommended English Names" de Frank Gill and Minturn Wright publicado em 2006 e que seguia a classificação e sequência de famílias de Dickinson (2003). O objectivo deste sítio é facilitar a comunicação a nível global no campo da ornitologia e conservação através do uso consistente dos nomes comuns em inglês em paralelo com os mais recentes avanços da taxonomia actual. A lista do IOC fornece os nomes comuns em inglês para a Wikipedia (inglês) e taxonomia de espécies para a Wikipedia (francês), Wikipedia Commons e projecto Tree of Life, assim como para diversas bases de dados em linha e trabalhos desenvolvidos ao nível regional em todo o mundo.

      • Gill, F. and Wright, M. 2006. Birds of the World. Recommended English Names, Princeton University Press, Princeton NJ.
      • Gill, F. and Donsker, D. (Eds.) 2014. IOC World Bird Names (Version 4.1). Available at http://www.worldbirdnames.org/ [Accessed 13 March 2014].
      A lista de Clements, cuja tese de doutoramento se tornou a primeira edição da Birds of the world: a check-list, ia na quinta edição ao tempo da morte do seu autor em 2005. O Cornell Laboratory of Ornithology assumiu então a responsabilidade pela série e publicou em 2007 a sexta edição a partir de um manuscrito que Clements tinha deixado bastante adiantado. O Cornell Laboratory of Ornithology mantém as correcções da lista e publica todos os anos em agosto uma versão electrónica actualizada. Esta lista é também utilizada pela plataforma de registo de observações eBird, lançada em 2002 pelo Cornell Laboratory of Ornithology e pela National Audubon Society. Aborda as espécies, sub-espécies, nomes comuns em inglês e distribuição geográfica.
      Deste modo, em 2017 existem quatro autoridades taxonómicas principais no domínio da ornitologia global: eBird/Clements, HBW/BirdLife, Howard & Moore, IOC World Bird List. Destas, apenas a lista de Howard & Moore não existe online.

      A base de dados Avibase http://avibase.bsc-eoc.org/avibase.jsp permite aos utilizadores criar listas ornitológicas de referência para diferentes regiões com recurso a listas mundiais alternativas. 

      O projecto Taxonomy in Flux http://jboyd.net/Taxo/index.html iniciou-se em 2006 como forma de tentar explicar algumas das novas idéias que podem dar lugar a alterações profundas nas listas de aves. 
      Actualmente existem listas mundiais de avifauna que, além da nomenclatura científica, propõem nomes comuns em diversas línguas incluindo inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, sueco, finlandês, entre outras. No entanto, ainda não se conhece nenhum trabalho completo deste tipo em português.

      Listas regionais

      A compilação de listas de avifauna ao nível continental foi um tema bastante debatido no círculo ornitológico durante os anos de 1960. Nessa época, com a excepção da América do Norte, onde os ornitologistas já contavam com uma lista taxonómica oficial - American Ornithologists' Union's Checklist of North American Birds - cuja primeira edição data de 1886, nas outras partes do mundo faltava consenso sobre a sequência taxonómica e nomenclatura das aves. Na Europa, entre as listas mais divulgadas até então encontravam-se as seguintes:
      • Hartert, E. 1903-1922. Die Vögel der paläarktischen Fauna.
      • Witherby, H.F. 1938-1941. The Handbook of British Birds. 5 volumes.
      • Vaurie, C. 1959-1965. The Birds of the Palearctic Fauna: a systematic reference. 2 volumes.
      Em 1969 Voous anunciou a intenção de redigir uma lista de aves do Holártico (que inclui o Paleártico e o Neártico) em cooperação com outros ornitólogos europeus, russos e norte-americanos com vista a obter maior uniformidade de opiniões. A lista de Voous viria a ser publicada em três partes na revista científica Ibis, a primeira das quais em 1973 e as outras duas em 1977.
      • Voous, K.H. 1977. List of Recent Holartic Bird Species. British Ornithologists’ Union. London. (compilação da lista publicada em três partes na Ibis 1973-1977).
      Com base na lista de Voous para o Holártico, a Associação dos Comités Europeus de Registos e Raridades (AERC) estabelece a lista das aves do Paleártico Ocidental em que consta o nome científico e em inglês. Esta lista é alterada pelas recomendações taxonómicas do comité consultivo taxonómico da AERC (AERC TAC). O AERC TAC é constituído por cinco membros: Taxonomic Sub-committee of the British Ornithologists’ Union Records Committee (BOURC-TSC, Reino Unido), Commission de l’Avifaune Française (CAF, França), Swedish Taxonomic Committee (STC, Suécia), Commissie Systematiek Nederlandse Avifauna (CSNA, Países Baixos) e Kommission Artenliste der Vögel Deutschlands der Deutschen Ornithologen-Gesellschaft (German TC, Alemanha). Para algumas espécies introduzidas ou acidentais que não se encontram em Voous, a lista da AERC segue a lista mundial do IOC. 
      • AERC TAC. 2003. AERC TAC's Taxonomic Recommendations. Available at http://www.aerc.eu/tac.html .
      • Crochet P.-A., Raty L., De Smet G., Anderson B., Barthel P.H., Collinson J.M., Dubois P.J., Helbig A.J., Jiguet F., Jirle E., Knox A.G., Le Maréchal P., Parkin D.T., Pons, J.-M., Roselaar C.S., Svensson L., van Loon A.J., Yésou P. 2010. AERC TAC's Taxonomic Recommendations. July 2010. Available online at http://www.aerc.eu/tac.html .
      • Crochet P.-A., Barthel P.H., Bauer H.-G., van den Berg A.B., Bezzel E., Collinson J.M., Dietzen C., Dubois P.J., Fromholtz J., Helbig A.J. †, Jiguet F., Jirle E., Knox A.G., Krüger T., Le Maréchal P., van Loon A.J., Päckert M., Parkin D.T., Pons J.-M., Raty L., Roselaar C.S., Sangster G., Steinheimer F.D., Svensson L., Tyrberg T., Votier S.C., Yésou P. 2012. AERC TAC's taxonomic recommendations: 2012 report. Available online at http://www.aerc.eu/tac.html .
      • Crochet P.-A., Joynt G. 2012. AERC list of Western Palearctic birds. December 2012 version. Available at http://www.aerc.eu/tac.html [Accessed 18 January 2013].
      Listas de aves do Paleártico Ocidental estão publicadas em outras línguas incluindo francês, holandês, sueco, italiano, assim como em português:
      • Costa H., Araújo A., Farinha J.C., Poças M.C., Machado A.M. 2000. Nomes Portugueses das Aves do Paleárctico Ocidental. Assírio & Alvim, Lisboa.

      Listas nacionais

      Também ao nível nacional, certos comités de raridades ou comissões de taxonomia e sistemática da avifauna levam a cabo revisões dos estudos nesta matéria e adoptam recomendações ou modificações taxonómicas e de nomenclatura que se reflectem em actualizações das listas de avifauna de âmbito nacional.

      Tal sucede com regularidade no caso da lista britânica, para a qual contribuem as recomendações do BOURC-TSC, que têm vindo a ser publicadas desde 2002 na revista científica Ibis. Em 2017, a British Ornithologists' Union (BOU) anounciou a decisão de adoptar a lista IOC a partir de 2018.

      Desde Voous, a lista holandesa também tem sido alvo de actualizações decididas pela CSNA em colaboração com o BOURC-TSC e publicadas na revista científica Ardea.

      A lista alemã é publicada na revista científica Limicola.

      A lista italiana, na revista científica Avocetta.

      Para Portugal está publicada uma lista sistemática das aves de
      Portugal continental que já sofreu uma primeira actualização. Esta lista não inclui espécies dos Açores, Madeira e Selvagens.

      Sem comentários: